terça-feira, 21 de julho de 2009

Esperança alguma

Humanos. Tantas atitudes inexplicáveis provêm destes viventes. Holocausto, genocídios, extermínios. Tudo isso sem contar as intermináveis guerras para definir onde serão pintadas as linhas do próximo mapa-múndi. Mas tudo bem. Eu já me convenci de que mesquinhez, ganância e desprezo fazem parte da essência do homo-que-pensa-que-sapiens.
A mesma racionalidade que era apontada como a grande arma do homem, no combate à dominação, é hoje utilizada pra otimizar devastações de populações inteiras. Mas até aí, como eu já disse, tudo bem. O que realmente me deixa puto com o homo são as suas invenções. A bomba atômica, nem tanto, já superei. Mas, cá entre nós. Quem foi o maldito que inventou as sandálias Crocs? E pior: quem são as pessoas, livres para ir e vir; livres pra escolher o que usar e usam Crocs?
Quando eu me convenço a aceitar todos os defeitos e atitudes reprováveis desse povo, surge mais essa. Você ainda vai querer me convencer de que a humanidade tem jeito? Não, não. É demais pra mim.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Cotidiano despercebido

Nunca soube ao certo o que era aquilo. Cubismo cubano, surrealismo israelense, nunca fez diferença. O fato é que aquela figura o intrigou por muito tempo. A manhã era típica de outono, com cheiro de chá por onde quer que fosse. Acordou cedo, com a campainha tocando (nunca teve certeza se ela realmente tocou). Levantou praguejando tudo e todos, inclusive a vodka barata da noite anterior que lhe dava a sensação de possuir uma cabeça pesada demais para a estrutura de seu corpo.
Ao abrir a porta, uma surpresa: o nada. Apenas um pequeno cubo de madeira repousando sobre o seu velho tapete - welcome. Abaixou-se e trouxe a peça até a altura de seus olhos e ficou intrigado com a mensagem que vinha talhada em todas as faces do objeto: "Atenta-te ao novo". Era tudo o que o supersticioso-de-meia-idade precisava pra ter certeza da morte próxima. Afinal de contas, uma mensagem como esta só poderia se referir aos seus últimos dias.
Durante meses viveu cautelosamente, a cada passo, atento a todos os detalhes do cotidiano. Inesperadamente se deliciou com conversas intermináveis nas filas. Fez amizades inimagináveis, como a do senhor que cuidava de seu jardim. Sua vida tomou outra forma. "Uma pena", pensava ele, "conhecer tudo isso já no fim". Com o tempo, cansou. A morte que viesse o encontrar aqui. Voltou ao seu velho ritmo de vida, ranzinza e solitário.
E hoje, vinte anos depois, o já ansião, afetado pela falta de memória, não se importa com o aparador da porta de seu quarto, que trás a inútil mensagem: "Atenta-te ao novo".

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Desejos reprováveis

O engraçado (ou nem tanto) é que ela nunca havia reparado na vizinha do terceiro andar. Era a primeira vez que a olhava nos olhos. Sentia seus arderem, tamanha a força daquele. Talvez, por isso, esta foi a viagem de elevador mais desconfortável de que teve lembrança. Foram umas oito horas para subir do térreo até o andar da vizinha.
Agora, trancada em casa, ela se culpa pelo que sente; sabe que não suportará guardar para si, mas não se dá o direito de gozar o seu novo desejo. Repetir para a sua reprovação, não era o suficiente para convencer o seu corpo. Sua respiração era ofegante e a pele esquentava. E, sem ao menos abrir os olhos, percebeu seus dedos, que a tocavam. Não acreditava que cederia fácil a um desejo tão reprovável.
Sendo assim, tinha comprovado: era fraca. Não suportava essa sensação. Desceu convicta ao terceiro andar, onde sabia o que fazer para acabar com suas incertezas. Apertou a campainha por duas longas vezes. Não deu chances para seu novo desejo. Antes mesmo de seu corpo esquentar, dilacerou seu desejo. Como já havia percebido, o arrependimento a tomou sem que tomasse conhecimento do ato. E assim, absorveu todo aquele novo amor, derramado no corredor de entrada e padeceu ali, no chão gelado que exitava em absorver aqueles corpos, unidos pelo desejo.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Quem mexeu no meu tempo?

Nunca tive vocação pra inimigo, mas tenho uma lista quase infinita de pessoas reprováveis. Às vezes meu nome também consta lá, mas nada definitivo. Mas essa lista não me aborrece, ao menos. Não a ponto de causar a necessidade de Fluoxetina.
Tudo isso é decorrência de um mau-humor por opção. Em algum momento da minha vida eu achei que seria positivo pra mim, esse tipo de comportamento. Ultimamente essa reclusão está se mostrando proveitosa, em meio à pressa do dia-a-dia. Não perco tempo com qualquer coisa. Aliás, nem o aproveito com algo útil.
O que está acontecendo com o meu tempo? Não gasto, não aproveito e não o vejo passar. Será que em algum momento de embriaguez o coloquei na minha lista de pessoas a serem ignoradas? Será difícil uma auditoria agora. Tá tudo muito corrido. Não aguento mais não ter tempo pra nada. As vezes parece que minha vida muda do passado para o futuro rápido demais, sem passar pelo presente. E quando penso, tudo já é passado.
Questionamentos vãos. Já não sei mais o que é inútil. Parar pra escrever isso aqui, ou você, que parou pra ler. Acho que estou sem tempo para envelhecer.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Perigosa e desafiadora

Sempre havia achado ela perigosa e desafiadora, mas agora a situação era diferente. Nada daquele conforto do cotidiano, existente até então. De perto, intimamente, ela era muito mais ameaçadora. Mas, inesperadamente, o que o dominou, diante desta inusitada proximidade, foi o desafio. O único desejo que sentia era o de adentrar àquele novo universo, íntimo e particular.
Sem resquícios de medo ou ansiedade, começou a explorar aquelas sensações, novas a cada instante. Entregou-se de tal forma que, no lugar da insegurança, a pré-potência fazia-se valer a cada gesto.
Nunca foi tão fácil ter tudo o que queria. E a segurança o fez esquecer de preservar o universo que havia desbravado. Assim, como se submetido a alguma lei da física, o universo se dissolveu por completo, de maneira constante e natural.
O conquistador, quando quis o refúgio de seu universo, foi surpreendido pelo vazio. Nada de sensações, momentos, espaço ou tempo. Tudo o que lhe restou foi a solidão, onde o medo e a insegurança o dominavam. E assim, mais uma vez, diante do espelho, definiu a realidade: “perigosa e desafiadora”. A única diferença desta para as outras milhares de vezes em que repetira essa espécie de mantra era o fato de ter a certeza de que era incapaz de superar o desafio.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Silenciosas tormentas

Após a tempestade, o desespero. A solidão nunca havia sido tão dolorosa. A cada movimento, o vazio o apunhalava profundamente. Sentia-se vigiado. Não descobriu, mas era vigia de si mesmo, reprovando cada atitude. Talvez pela sequência de atitudes infundadas dos últimos dias. A verdade é que já não suportava as consequências de seu individualismo.
Jamais imaginou o quanto seria difícil viver naquela casa sem as constantes cobranças e carícias, raras, porém eminentes. E era essa eminência que o fazia sentir o direito de sobrepor o seu ego ao dela. Mas hoje, castigado pelo silêncio, não tinha segurança para decidir o que fazer naquela imensidão que se tornara sua cama. No limite do dia, atormentado por seus flagelos, sucumbiu. Voltou-se para si e mergulhou no vácuo que habitava seus pensamentos. Jamais esquecerá desta libertação. O que nunca soube é que já não teria oportunidades para lembrar-se daquele dia; nem de sua vida.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Honrando as dívidas

A sensação de cacos de vidro quebrando sob seus pés o deixava confiante, dando-lhe um sincero prazer. A cada passo sua convicção aumentava, inflando seu peito. Não lembrava em nada aquele jovem reprimido, que sempre foi.
Destrinchava cada mágoa e humilhação sofrida. Mas agora a vingança era certa e seria executada calma e vagarosamente, como sempre sofreu.
No mesmo bar de sempre. Entrou e sentou ao lado dos que sempre o diminuíram. Pediu bebidas para todos. Tomou a sua de maneira espantosamente rápida e indiferente; nem sequer limpou o canto da barba, por onde a bebida havia escorrido.
Sacou suas mágoas da bolsa e, num acertar de contas, distribuiu-as sobre os peitos de seus companheiros. O leve, breve e progressivo desespero dos presentes foi consumido totalmente. Logo todos estavam serenamente silenciosos – compartilhando o momento. Seu último rancor usou consigo, acertando as contas com sua breve e limitada existência.